Há em nossa casa uma mesa redonda onde acontece a
maioria das nossas conversas. É lá que se fazem planos e se costuram acordos.
Um dia, em torno da mesa, estávamos planejando um fim de semana em família.
Como éramos seis e o lugar era longe, estava difícil achar uma solução. Quando
finalmente as peças pareciam se encaixar, surgiu uma condição: os meninos queriam
voltar no domingo à tarde, pois precisavam ir à igreja. Já meio exasperado, eu
disse: “Mas não é possível faltar “uma” vez?” A resposta veio certeira: “Mas,
pai, esse é o nosso ministério!”
Eles haviam descoberto a palavra mágica:
“ministério”. Afinal, era ela que, em nossa casa, tornava os compromissos
“imexíveis”. Eles a usaram na hora certa e nós, como pais, entendemos a
mensagem… Mas a verdade é que Silêda e eu estávamos muito felizes, pois víamos
que eles, em plena adolescência, estavam achando o seu caminho e encontrando na
igreja relações e atividades significativas. Ao nos mudarmos para Curitiba, no
final de 1991, veio conosco uma preocupação: encontrar uma igreja que abraçasse
os nossos filhos e lhes transmitisse significado. Isso aconteceu na Comunidade
do Redentor. Ali eles encontraram evangelho e amigos, música e quadra de
basquete, ministração bíblica e grupo de teatro. Silêda e eu somos
profundamente gratos a esta igreja, que acolheu os nossos filhos e ajudou-os a
encontrar o caminho da vocação.
Por ocasião dos 40 anos de Ultimato* me pediram que
falasse sobre “Jovens Alcançando Jovens”. Decidi olhar para dentro da minha
própria casa e ver como isso aconteceu no nível familiar, e cheguei à conclusão
de que o evangelho gosta de alcançar jovens!
É fundamental que nossas igrejas se coloquem a
serviço desse evangelho e ofereçam espaço para que os jovens encontrem nesse
evangelho e nesse espaço o seu significado de vida e o universo das suas
relações de vida mais profundas.
Os jovens sabem ocupar esse espaço e tornam-se
instrumentos desse evangelho: jovens alcançam jovens.
Olhando para a minha própria vida, vi que foi
exatamente isso que aconteceu. Vindo de uma família luterana tradicional, o meu
encontro com o evangelho, que começou na infância mas se solidificou na
adolescência e juventude, determinou fundamentalmente o meu caminho de vida.
Foi nessa época e nesse contexto que Deus me deu a experiência da vocação.
Gosto muito de lembrar o que o evangelho fez comigo na juventude, dando à minha
vida o seu significado maior, levando-me a descobrir não apenas que Deus se
importava comigo, mas que ele estava me chamando para servi-lo. Grande
descoberta e grande caminhada! Assim, depois de um curso técnico em
contabilidade, fui estudar teologia para servir a Deus em tempo integral em
diferentes ministérios cristãos.
O encontro com o evangelho acabou determinando
também os meus relacionamentos e me mostrando que a vida acontece em comunidade.
Revendo a minha caminhada, constato que os meus relacionamentos significativos
aconteceram a partir do evangelho e por causa dele. O próprio encontro com a
Silêda é expressão deste fato. De que outra maneira um “alemão” de Joinville
iria conhecer uma maranhense e viajar mais de cinquenta horas de ônibus para
transformar esse relacionamento em casamento? Foi coisa do evangelho. E é claro
que ela era “ela”!
O evangelho me levou, não apenas a conhecer o
Brasil, através do ministério estudantil na Aliança Bíblica Universitária, no
qual Silêda e eu estávamos envolvidos. Deu-me também uma percepção de realidade
que vai além da geografia, me possibilitando encontrar diferentes expressões
culturais e enxergar a realidade a partir da ótica do pobre e da busca da
justiça.
A minha geração, assim como a dos meus filhos,
tiveram o privilégio de vivenciar um tempo em que os jovens estavam buscando o
evangelho e o evangelho encontrava os jovens. Isso é muito bom e muito bonito!
Quem sabe até onde irá este tempo de oportunidade? Depende de como estes jovens
serão discipulados e de como as igrejas e os vários ministérios existentes
entre nós continuarão gerando espaço para o jovem alcançar outros jovens, sem
uma tutela enquadradora.
Uma experiência que Osmar Ludovico, Ricardo Barbosa
e eu estamos fazendo, de mentora alguns líderes jovens, revela que um grande
número deles está em dificuldades com suas igrejas. Essa dificuldade acontece
diante de igrejas autoritárias e sem espaço para uma liderança jovem autêntica.
Igrejas conservadoras onde presbíteros consideram a igreja o seu monopólio.
Igrejas cujos pastores não permitem a emergência de uma liderança jovem
contestadora. Igrejas que vivem para si mesmas, perdendo a relevância para a
sociedade. São estes alguns dos lamentos que temos ouvido e acompanhado, o que
nos faz orar e clamar por uma igreja que saiba honrar o tempo de oportunidade
que Deus nos está dando hoje. Uma igreja que saiba dar espaço para que jovens
encontrados pelo evangelho moldem caminhos de obediência que tenham cara de
primavera, assim como é primaveril a cara da juventude.
- Valdir Steuernagel
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